Joana Schenker

Joana Schenker

Entrevista por Patrícia Domingues

Fotografia por Frederico Martins

Direção criativa e styling Sérgio Onze

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Há uma afetuosidade no discurso de Joana Schenker que soa ao barulho das ondas. A sua serenidade embala-nos como o canto das sereias, é séria sem deixar de ser leve, fala de preguiça como se não tivesse sido campeã mundial, reclama do uso excessivo do telemóvel, é reivindicativa sem levantar o tom. Passou a vida praticamente toda dentro de água, mas a sua voz esteve sempre à tona e os pés bem assentes na terra.

Solo: Joana, já praticas bodyboard há mais de 20 anos. Nas palestras que dás nas escolas costumas usar a frase de uma criança para explicar a sensação: “É como uma alegria que vem dentro da barriga.” Ainda é isso que sentes?


Joana: Sim! Isso é o que me faz voltar à praia todos os dias. É essa alegria que é difícil de explicar, que é quase um vício saudável. Eu não consigo explicar de outra maneira qual é a sensação de deslizar numa onda. É algo que vem de dentro.


S: E sentiste isso logo na primeira vez?


J: Fazem-me essa pergunta muitas vezes. “Como é que foi a primeira onda?” Eu não me lembro da primeira onda porque eu lembro-me de ir à praia desde bebé. Sempre andei dentro de água, sempre senti a água bater em mim e de me ver por baixo das espuminhas. A prancha veio simplesmente dar uma nova experiência àquilo que eu já fazia.


S: Continuas a ir muitas vezes surfar só para te divertires. Às vezes, quando se transforma uma coisa que gostamos num trabalho, perde-se um bocado da piada.


J: Olha, como já são muitos anos, já tive a altura em que perdi um pouco isto. E comecei a chatear-me comigo própria. Ou melhor, comecei-me a sentir obrigada a ir para a água sempre, obrigada a ir surfar. E isso retira a parte que eu gosto, retira aquilo que me fez começar. Talvez por estar mais experiente, e também um pouco mais velha, decidi que quem manda sou eu. Eu sou a minha própria chefe, portanto, eu vou quando quero, quando acho que vale a pena. E vou para me divertir, no fundo, porque é por isso que faço este desporto. Dei-me a permissão de fazer como eu quero e a partir daí divirto-me novamente, porque não sou obrigada a fazer nada.


S: Ser o nosso próprio chefe tem coisas boas e outras que nem tanto.


J: Muitas vezes nós próprios achamos que temos de fazer isto e temos que treinar mais. É o nosso próprio mental a dizer, ‘vais, vais’. Percebi que funciono muito melhor quando tenho liberdade de fazer aquilo que me apetece. Aí eu treino, corre muito melhor, divirto-me muito mais.


S: Que tipo de chefe é que tu és para ti mesma?


J: Antes era mais nervosa. Tinha menos confiança em mim própria. Agora sou uma chefe muito relaxada. Confio nos meus empregados. [Risos] Sei que eles são capazes. Eu acho que foi simplesmente ficar mais madura e saber que o treino tem uma parte muito válida no meu desempenho desportivo, mas a parte mental é igualmente importante. Por isso tive de tomar mais conta da minha parte mental. Agora sou mais relaxada e consigo ser uma melhor atleta por causa disso. Tenho menos ansiedade, sou menos nervosa.


S: O bodyboard acompanhou várias fases da tua vida, várias idades, várias Joanas, não é?


J: Exatamente.


S: Como é que tens trabalhado essa parte mental?


J: É algo que vou fazendo. Tenho o meu namorado que também é meu treinador. Nós estamos juntos há 20 anos. Também é um desafio às vezes, mas ao mesmo tempo dá-me ali uma base muito sólida e saudável. Ele percebe perfeitamente o que eu faço e quais são os desafios – ele também já foi atleta e trocamos impressões. Acho que é tudo muito fluido. Nunca fui a um psicólogo de desporto. Simplesmente, quando percebo que estou ali meio encalhada, a sentir dificuldades, falo sobre o assunto. Mas também é sobre reconhecer que os atletas têm altos e baixos. A evolução e a motivação não são lineares. E, portanto, está tudo bem. Se eu ficar uma semana sem ir ao mar, que não me apetece, não faz mal. Desde que depois volte com mais vontade.


S: Tu já ganhaste praticamente todos os prémios que havia para ganhar. O que é que te motiva a continuar? Ou seja, essa parte dos prémios, das competições, era importante para ti?


J: Sim e não. Pessoalmente, nunca foi o meu objetivo mais importante. Para mim, Joana. Mas eu tenho a perfeita noção de que para ser uma atleta profissional, os prémios e os títulos são fundamentais. Ou seja, sempre olhei para eles como o meu meio de poder ser bodyboarder, ir à praia todos os dias e levar esta vida que eu adoro. E daí também vem às vezes a pressão que eu própria punha nos prémios, porque sabia que eram o meu sustento. Mas a minha motivação pessoal vem sempre muito mais da parte de surfar bem. De ser uma boa bodyboarder, de ser respeitada dentro do meio. As pessoas que admiro olharem para mim e acharem que sou apta ou que sou uma boa bodyboarder. Porque é o que se faz por trás dos títulos. No entanto, eu acho também que os títulos e aquilo que vem dos nossos objetivos desportivos também são muito válidos na aprendizagem. Eu aprendi muito com eles e a competir e a perder e a ganhar e tudo o que envolve. Não seria a mesma bodyboarder sem competição. Não tinha tido o mesmo percurso. Quando corria mal ficava frustrada, ficava triste. E é normal ficar chateado, mas não é o fim do mundo. Nunca foi o fim do mundo perder um campeonato ou perder um título.


S: Porque a tua base era outra, certo?


J: Eu gosto do desporto e é quase uma dança. É uma expressão artística. Eu sinto-me bem. Para mim era muito mais importante ser uma boa ‘bailarina’ do que propriamente ganhar o campeonato da dança. Não é a mesma coisa às vezes.


S: Tu referes muitas vezes que não chegaste até aqui sozinha. Quem foram as pessoas que estiveram contigo, que estão contigo?


J: Desde o início a minha mãe. Porque a minha mãe deixava-me faltar à escola para ir fazer bodyboard, justificava todas as minhas faltas, levava-me à praia todos os dias. Ficava lá à minha espera porque eu era muito pequena. Os meus amigos com quem sempre surfei ao longo destes anos... Eu acho que a companhia na praia é superimportante porque são a nossa inspiração. Este é um desporto que é individual, mas que é muito mais fixe ou divertido fazermos com alguns amigos. Eles também puxam por nós quando estamos com a ronha. Faz parte da minha saúde mental ir à praia e encontrar os meus amigos. E o Chico, o Francisco Pinheiro, o meu companheiro de vida. Ele foi a pessoa mais importante no meio disto tudo. Ele ainda hoje se sacrifica completamente para o meu sucesso. Nem sempre sou a pessoa mais fácil de treinar. Ele é o meu treinador, mas eu não gosto de treinar. Então ele arranja ali uma estratégia para me convencer que não estou a treinar, mas estou a treinar.


S: Do que é que não gostas?


J: Eu não gosto da questão da obrigação. E às vezes também faz parte. É óbvio. Então ele arranja ali uma forma de não ser um treino, mas de ser uma coisa que me motiva. Às vezes estou desmotivada e ele senta-se na areia, pega na máquina fotográfica e vai fotografar as minhas ondas. Eu sinto uma motivação e vou. Nós fazemos isto em conjunto. As minhas vitórias também são as dele. Sem ele isto nunca tinha acontecido desta forma.


S: E é preciso ser-se criativo também, não é? Há regras, há técnicas, mas depois também é preciso haver uma dose de imaginação.


J: Claramente. Até porque nós estamos a lidar com um meio que é completamente móvel. A natureza está sempre em movimento. É difícil criar um plano e o plano ser exatamente como nós pensamos. Muitas vezes chegamos à praia e não está como eu estava à espera. Está diferente. Tenho de pensar, vou usar isto ou vou para outra praia? Vou esperar pela maré? O que é que fazemos? Vale a pena ou não vale a pena? Há ali um leque de decisões sempre a tomar, que é uma rotina diferente todos os dias. Ou melhor, nós temos a nossa rotina, mas a rotina nunca é igual. O que é fixe também, porque eu pelo menos gosto de não cair no aborrecimento. Mesmo em termos de personalidade, temos de nos adaptar ao que está à nossa frente.


S: E foi influenciando também a tua vida fora da água, essa espontaneidade, a encarar as coisas dessa forma?


J: Eu acho que isso é uma coisa que depois passa a ser um traço de personalidade. Eu sou muito assim, mesmo na questão de me manter sempre calma, eu raramente perco a minha calma. Por nada. Porque dentro de água a regra mais importa é nunca perder a calma. Não se pode entrar em pânico porque senão podemos morrer afogados.


S: Vi agora que aconteceu um campeonato chamado Boogie Chicks, que é uma prova só de mulheres. E nas entrevistas que deste sobre o tema dizias que é um local ideal para encontrar inspiração. Este tipo de provas só de mulheres continua a ser muito importante?


J: Eu por acaso acabei por não ir a esse campeonato, por causa da minha agenda, mas a questão aqui é que quando eu digo que essas provas são boas para ganhar inspiração é porque são excelentes para a nova geração. É uma boa maneira de motivar novas atletas a entrarem no mundo da competição. Uma competição só feminina normalmente tem uma energia diferente, muito mais simpática. Também é importante quando há só o feminino porque temos as melhores condições para nós. Quando temos todas as categorias, homens, juniores, tudo lá, muitas vezes acabamos por ter as condições piores. O que faz muita diferença. Ou seja, todo o envolvimento de uma prova só feminina, acho que é excelente para abrir a porta a novas atletas, criar ali uma interação muito maior.

Há quem diga que deveríamos fazer um circuito apenas feminino, mas eu aí discordo. Acho que é importante estarmos com os homens, eles puxam por nós. As condições em que eles surfam, muitas vezes nós temos de acompanhar e também é uma forma de evoluirmos. Portanto, haver as duas coisas acho que é uma boa mistura.


S: Em relação a esta questão da desigualdade de género, e estando há 20 anos neste desporto, o mundo já mudou muito nesse sentido. Portanto, acredito que haja coisas que se tenham refletido também na modalidade.


J: Eu acho que sim. Estamos a evoluir num bom sentido. Como é óbvio, ainda somos menos mulheres do que homens a competir. Há menos prize money para as mulheres do que para os homens. De certa maneira, às vezes chega a ser um terço, o que é bastante. Nós temos as mesmas despesas para ir a um campeonato do mundo no Brasil. Eu pago a mesma coisa do que o meu amigo. Existe isso. Nem sempre depende das provas e estamos a melhorar. No mundo, ainda não temos igualdade em nada e eu assumo que não estamos iguais – estamos longe disso –, mas estamos a evoluir de uma maneira que olho com felicidade.


S: Quando tu começaste havia diferenças maiores?


J: Sim, havia diferenças maiores. A questão do prize money ainda era maior. É algo importante para todas as atletas. Mesmo dentro de água, a questão das condições em que nós temos de competir, isso é muito importante também. Porque condições muito más não produzem uma performance boa. E quando as mulheres constantemente têm ondas piores, o nosso nível é pior. Ainda fica pior aos olhos de quem está a ver. Mesmo o tipo de ondas que nós agora temos no nosso circuito são ondas perigosas e os homens competem lá e as mulheres também competem lá. Até mesmo em nível de performance evoluímos bastante e de risco e daquilo que as mulheres conseguem fazer. Porque nos deram oportunidade, claro.

Joana Schenker

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S: Isso era uma conversa recorrente entre ti e as tuas colegas?


J: Sim, sim. Até porque no circuito mundial eu fui a representante das autarcas femininas durante 4 anos. E durante 4 anos nas reuniões todas, dos dirigentes todos, tentei defender as mulheres. Ainda há muito para fazer, mas também temos de ser sinceros: há uma diferença entre o desporto feminino e o desporto masculino. Nós não somos iguais. Fisicamente não somos iguais. Isso não quer dizer que não nos possam dar oportunidades boas.


S: Os direitos iguais tendo em conta que não somos iguais.


J: Exatamente. E mesmo o nível, por exemplo, da parte dos patrocinadores eu acho que o desporto feminino evoluiu bastante. Nós temos cada vez mais visibilidade. Estamos aqui a falar, não é? E estamos a falar numa revista que não é de bodyboard. Podiam ter pegado num atleta masculino, mas agora está aqui uma mulher a falar. Isso acontece cada vez mais. E isso também se traduz em mais apoio para as atletas. E, por exemplo, em Portugal, e acho que é importante mencionar, o bodyboard feminino trouxe talvez mais títulos do que o bodyboard masculino. Ou seja, aqui ninguém nos pode ignorar.


S: Estavas a falar dos holofotes das revistas e eu estava a reparar que atrás de ti estão várias fotografias de editoriais.


J: Esta é do Fred.


S: Gostas de te ver num papel diferente? De te ver sob outra perspetiva?


J: Como o meu dia a dia é supersimples – o cabelo despenteado, nunca uma maquilhagem, é ténis e pronto, é o básico –, quando tenho a hipótese de ser uma Joana um bocadinho diferente, eu divirto-me. Eu gosto dessa experiência porque não tenho de a fazer todos os dias. E assim é uma maneira também de sair da minha rotina e de me sentir mais mulher. Acho que é bom. Faz-me bem. E houve alguns momentos na minha carreira que foram muito importantes exatamente porque saí do bodyboard e fui para um mundo que não era normal ou não era habitual e também me fizeram crescer. Então, de repente, eu própria assumo um papel diferente. Já não sou aquela atleta que só está confortável na praia. Agora estou confortável em mais momentos.


S: Gostas de buscar esses desconfortos? Experimentar coisas que te tirem um bocadinho da tua praia?


J: Eu acho que sim. Se bem que eu não gosto de falar em público. E, no entanto, estou a dar palestras. Vou à Web Summit. Ou seja, eu não sei como é que acontece. Mas não consigo dizer que não. E sei que vão puxar por mim. Eu acho que o próprio bodyboard é um bocadinho assim. Estou confortável, mas se calhar vou para uma onda onde não estou. Ou se calhar o mar é maior. Porque é assim que se evolui. E eu acho que é saudável, sim. Às vezes tenho de me empurrar. Mas vou.


S: E nesses lugares em que tens uma voz e em que te estão a dar palco, por exemplo na Web Summit, o que é que vai ser importante para ti falar?


J: O tema da Web Summit, que não fui eu que escolhi, que foi uma proposta, chama-se Building Sustainable Influence. Claro que eu gostava que fosse ao contrário, que se fizesse Influência Sustentável. Mas não, é mesmo sobre influência. O mais importante será explicar como é que eu lido com as redes sociais. Porque, também no meu caso, é um pouco diferente de quem vive das redes sociais. As redes sociais, para mim, são apenas uma ferramenta para me ajudar na minha carreira, não ao contrário. Eu não vivo para as redes sociais. No entanto, gosto de usá-las e acho que são muito úteis, muitas vezes. Mas é preciso manter uma dose de sensibilidade. Eu tenho uma mensagem que eu tento passar, não de forma chata, porque eu não quero perder todos os meus seguidores [risos]. Mas, pronto, há uma coisa muito importante nos atletas e nas figuras públicas que é a nossa credibilidade. Eu tenho andado a construí-la e tento mantê-la. E não, não está à venda.


S: No sítio onde cresceste não tinhas telemóvel, nem Internet, nem televisão, também acho que foi uma opção da tua família, não é? Tu tentas trazer essa parte saudável da infância para a atualidade? Ou seja, és uma pessoa que se desliga facilmente do telemóvel?


J: Não, tenho de ser sincera. Neste momento o telemóvel está demasiado tempo presente na minha vida. Portanto, eu não sei se tem a ver com a forma como eu cresci ou simplesmente com a nova realidade do telemóvel que a toda a hora toca, a toda a hora há um WhatsApp, a toda a hora há um post para fazer. De repente estamos nesta bolha em que é muito difícil deixar o telefone completamente desligado. A minha sorte é que realmente a maior parte das praias que frequento durante o dia não têm rede. Porque senão eu entro muito rapidamente naquele ritmo de responder logo, fazer logo, responder a um e-mail, sentar-me na praia e quebra muito o foco no que estou a fazer.


S: Mas na tua infância isso não existia.


J: Nem sequer havia Internet em casa, só muito mais tarde, só quando eu era adolescente é que tivemos Internet em casa. Nós não tínhamos televisão. Havia uma televisão com DVDs. Quando esgotávamos os DVDs que havia em casa, ninguém ligava a televisão. Brincava na rua. Também a casa da minha mãe fica numa aldeia muito pequena que não tinha transportes públicos, não tinha assim nada. Eu tenho três irmãs mais novas e acabávamos por brincar na rua todo o dia. Foi muito saudável. Agora percebo ainda melhor que foi saudável do que na altura. Na altura achava chato, não é? Chegava à escola, não sabia o que era o Dragon Ball. [Risos]


S: E há coisas daí que gostavas de recuperar para agora? Não sei bem como é que é a tua vida, o que é que gostas de fazer?


J: Sim, eu acho que às vezes fazia-me bem conseguir estar sem nenhuma distração. Mas aqueles momentos na água são momentos sem distração. Eu acho que foi superimportante para mim não ter tido redes sociais na adolescência. Eu criei a minha conta no Instagram em 2015. Antes disso não tinha. Porque não queria. Eu pensava, isso é estúpido. Achava que era demasiado autopromoção, que isso não era elegante. E foi engraçado porque toda a gente dizia que eu tinha de ter Instagram. Eu tinha um telefone de teclas e houve um campeonato europeu em Aveiro que eu disse: ‘Ok, se eu ganhar o dinheiro vou comprar um smartphone.’ E ganhei.


S: E não sei se, mesmo ao nível do desporto, se é algo que também pode interferir. Porque de repente estamos sempre a ver o que os outros estão a fazer.


J: Inevitavelmente nós vamo-nos comparar aos outros, aos outros atletas e a outras pessoas. Mesmo que digamos, ‘ah, eu sou imune’. Isso não é verdade. Eu acho que acaba sempre a deixar algum impacto na nossa cabeça que depois nós vamos fazer ou tentar fazer melhor ou tentar fazer igual. É quase uma coisa humana, não é? Mas também gosto, porque eu consigo ter ali uma forma para falar com outras pessoas. Mesmo para ganhar inspiração, eu tento usar isto para me inspirar. Seja qual for a coisa para que eu preciso de uma lufada de inspiração, eu encontro. Tem um pouco a ver com a forma como nós consumimos.


S: Sentes que mudou alguma coisa as redes sociais em relação à modalidade, por exemplo?


J: Sim, bastante. Até porque quando eu comecei, havia algumas revistas de bodyboard e essas revistas eram uma coisa muito fechada. Ou seja, o diretor da revista é que decide quais são as fotos que entram. Se o fotógrafo, por acaso, tem fotos daquele atleta, vai conseguir ter lá fotos. Quem não estava lá, quem não tem ou quem não conseguiu entrar na revista, era invisível, basicamente. E de repente o Instagram e as redes sociais liberalizaram completamente o mundo da informação e da exposição do bodyboard. Todos os atletas agora são autodidatas, autofundadores. Se calhar agora temos informação a mais... A toda a hora alguém publica coisas e banaliza aqueles momentos incríveis que eram a capa de uma revista. De repente essa capa vai para o Instagram e já não tem o mesmo impacto. Mas, de outra forma, também já não há a coisa do ‘Olha, ele não gosta de mim, nunca vou aparecer’.


S: O que é que tu gostas de fazer nos teus tempos livres? Quais são os teus interesses?


J: Olha, eu adoro ouvir música. Eu acho que, tipo, música é assim a minha comida.


S: Todo o tipo de música? Alguma em particular?


J: Depende muito do meu estado de espírito. Gosto de todos os géneros. O Spotify está sempre a sugerir coisas novas, coisas antigas. Tenho sempre música no background. Sempre. Às vezes gosto só de andar e ouvir música. Ou andar no carro e ouvir música. Ou estar sentada e ouvir música. Sem que ninguém fale comigo. Leio de vez em quando. Gosto de estar com os meus amigos que muitas vezes só os vejo dentro da água. Eu passo muito tempo fora de Portugal a viajar, perco todos os aniversários, todas as festas. Então às vezes gosto só de estar com eles. Gosto de estar na natureza. Coisas muito simples.


S: Li que os teus pais eram viajantes do mundo antes de criarem o vosso poiso em Sagres. Tu também és uma pessoa de viajar, explorar, és mais de ter o teu ponto fixo?


J: Eu sou muito parecida com eles nesse aspeto. Eu adoro viajar, adoro. Se pudesse ia conhecer o mundo todo. Mesmo que não tivesse ondas. Eu não viajo só por causa das ondas. Gosto de descobrir um sítio, mesmo quando aquele sítio nem é muito chamativo, nem aparece em todo lado. Adoro passear a pé. Descobrir como é o feeling de um sítio.


S: Houve algum sítio recente em que tenhas estado e que tenhas gostado particularmente?


J: Eu gostei muito do Japão. É um sítio em que tudo é diferente. E é incrível. Acho que dá para ir lá mais 10 vezes e descobrir o Japão. Outro sítio que me marcou bastante foi a Islândia, pela natureza. Todos os lugares têm assim qualquer coisa...


S: E há algum que esteja na tua lista de lugares a visitar que ainda não tenhas tido a oportunidade de ir?


J: Tantos, tantos. Eu adorava ir à Namíbia, pelas ondas que há lá, mas não só. Ultimamente sinto-me atraída pela Europa, pelo norte da Europa que eu também nunca liguei nenhuma. Tipo, a Inglaterra nunca liguei nenhuma, mas de repente, tipo, pelas montanhas, agora de repente dá vontade, às montanhas. Eu estou sempre a viajar para as ondas e as ondas tomam conta de tudo. De repente, a previsão do mar manda na viagem. O que é muito limitador para ver o resto do lugar.


S: Foi numa dessas viagens, à Índia, que te tornaste vegetariana, quando tinhas 10 anos.


J: A minha mãe levou-me à Índia. Durante 3, 4 semanas, foi quase um mês, andamos lá as duas. Na altura aquela viagem marcou-me porque, não sei, olha, a quantidade de animais, lá eles não comem as vacas. Vi muitos cães e gatos completamente maltratados. Eu sempre fui dos animais. E lembro-me, desde criança, de pensar: ‘Eu gosto dos animais, porque havia de comer os animais?’ Na minha cabeça não fazia sentido. Mas eu também gostava do sabor da carne. Eu realmente gostava do sabor. E do peixe, do camarão, paté de sardinha, que era, tipo, a minha comida favorita. Mas quando fomos à Índia, lá também há muitos vegetarianos e tudo aquilo abriu-me de tal maneira, sei lá, aquela mente aos 10 anos, que quando voltei pensei ‘não, eu agora sou uma miúda muito mais crescida e eu decidi que não quero comer os animais e não vou comer mais’. Nunca mais comi nem carne, nem peixe, nem marisco, nem nada disso. Apenas derivados, leite e queijo, conforme é necessário.

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S: Portanto, eras a miúda que não via o Dragon Ball, que não comia carne. Sentes que eras, assim, diferente dos teus colegas? Mesmo a tua fisionomia?


J: Eles gozavam comigo, como é óbvio, achavam aquilo estranho. Mas, ao mesmo tempo, eu nunca me senti, tipo, nunca senti bullying ou coisa do gênero. Eu sempre achei que, enfim, sou diferente, todos repararam, todos acham piada, mas nunca senti que era uma coisa má. E, de certa maneira, foi talvez bom porque eu mantive aquilo que achava que queria ser. Nunca voltei a comer carne por influência de ninguém. E esse é um assunto que tenho de debater em todos os jantares a que vou.


S: Tu também és, obviamente, muito ativa em tudo o que seja em prol da proteção dos oceanos. Em que projetos é que estás a trabalhar agora?


J: Assim, o principal projeto que é o Schenker School Tour, que é o projeto das escolas. As escolas podem-se inscrever e, conforme a minha disponibilidade, eu visito as escolas e dou uma palestra de uma hora. É uma palestra que é meio mista, eu não vou só dar na cabeça dos miúdos sobre o plástico. Não, eu vou contar a minha história e o mar fez parte dessa história, é completamente impossível retirar o mar. E, portanto, tento criar ali um momento que seja inspirador para eles, não só ao nível de valores, mas também de motivação pessoal. Eles sabem que há lixo, nada disso é uma novidade para eles, não é? Mas muitas vezes não percebem que todos nós temos qualquer coisa a fazer. E é aí que eu tento debater mais, portanto, criar ali uma vontade de mudar hábitos ou de levar hábitos melhores para casa, ou pelo menos semear uma ideia.

Também tento usar as minhas redes sociais de uma forma regular para alertar para coisas que estão a acontecer. O Oceanário de Lisboa e a Fundação Oceano Azul, que são os meus patrocinadores mas também são parceiros de informação, informam-me sobre os assuntos importantes e eu falo sobre eles. Tenho o cuidado de trabalhar marcas que façam sentido no meu dia a dia e que também partilham os meus valores, como é o caso da Avène da qual sou embaixadora há vários anos do projecto Skin Protect Ocean Respect e que têm protetores solares certificados amigo dos corais e da vida marinha.

E quando vou à praia, apanho sempre o lixo. Às vezes é o mais simples que faz a diferença.


S: E isso sempre esteve também nos teus objetivos, ou seja, quando começaste a ganhar notoriedade nesta área, percebeste que querias ser vocal em relação a isso?


J: Sim. Imagina, eu sinto-me de certa maneira em dívida com o mar, ele deu-me tudo, tudo o que eu tenho, todos os meus melhores momentos, mesmo indiretamente, não só da carreira, mas da minha vida, tiveram origem no mar. Portanto, se agora tenho a hipótese de fazer algo, de devolver um pouco de tudo o que recebi, acho que está dentro da minha responsabilidade.

Não há ninguém melhor para falar do mar do que um atleta que está todos os dias na praia, que usa o mar e que vê os problemas em primeira mão. Eu tento não abraçar muito mais causas, porque eu acho que quando abraçamos todas as causas, acabamos por não conseguir fazer nada em nenhuma delas. E eu tento me focar-me mais no mar e na sustentabilidade e na natureza do que propriamente nas outras mil causas que podia trabalhar.

Os atletas têm de perceber qual é o seu papel na sociedade. É só sobre ganhar? Não. Se nos é dado um espaço e se as pessoas olham para nós com alguma recetividade, temos a obrigação de usar isso para o bem. E muitas vezes os atletas servem para inspirar.


S: Tiveste esses exemplos ao longo da tua vida, carreira? Há outros atletas para quem olhes e que sejam exemplos?


J: Um que gosto muito é o Lewis Hamilton. Eu acho que ele faz isto de uma forma muito apelativa. Porque se formos muito fundamentalistas, se formos muito de apontar o dedo ou dizer que tudo o que se faz está mal e nós é que sabemos, provavelmente vai ser ao contrário. Vamos afastar as pessoas da nossa causa e não serve para nada. Se o miúdo mais fixe da escola fizer uma coisa bem feita, os outros vão querer fazer.


S: Uma vez perguntaram-te se te interessavas por política e tu respondeste que a política é um assunto que nos deveria interessar a todos, obviamente. Tudo o que nós fazemos é um ato político. No panorama atual, o que é que te preocupa? Qual é que gostavas que fosse o caminho?


J: Eu não vou falar sobre partidos políticos, nem nada daquilo que está a acontecer agora. Eu só tenho pena que as pessoas constantemente fiquem desiludidas com a política, não é? Porque nós tentamos motivar-nos para a política e achamos que fazemos a diferença quando vamos votar e quando nos envolvemos e depois muitas vezes ficamos desiludidos e achamos que não vale a pena quase fazer nada. No entanto, eu acho que isso não pode ser, temos de continuar a estar envolvidos. Se calhar dentro daquilo que existe para votarmos ou dentro daquilo que existe para escolher, temos de escolher aquilo que achamos que representa melhor os nossos valores. Muitas vezes se calhar são partidos mais pequenos, não sei. Se calhar esses partidos não vão resolver todos os problemas do País, mas temos de lhes dar alguma voz. Porque se nós não tivermos hipóteses para escolher alguém que seja a favor daquilo que nós defendemos, vai ser muito difícil. Portanto, eu acho que a pressão política tem de ser feita, isso tem que se continuar a fazer sempre. Desistir e não fazer nada não é uma opção.


S: Em que é que tu agora te estás a focar, o que é que estás a preparar, quais são os teus objetivos agora?


J: Agora está a acabar a minha época desportiva, falta um campeonato que vai ser daqui a duas semanas, depois acabou. A época correu bem, estou contente com o que aconteceu em 2023, mas a verdade é que 2024 está mesmo aí. O nosso circuito mundial vai começar mais cedo, em fevereiro, portanto eu não vou ter muito tempo no meio disto tudo para ir às escolas, tirar umas férias, mas pronto, tudo bem. No fundo, agora só quero estar aqui em casa durante estes dois meses, voltar à terra, surfar mais, porque muitas vezes em competição ou quando estou fora estou tão focada em competir que acabo por não me divertir. O meu objetivo agora até fevereiro é fazer todas as coisas com as quais me comprometi e no meio disso tudo passar um bom bocado.

SOLO © 2024

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