André Cabral e Mauro Costa

André Cabral e Mauro Costa

Entrevista por Patrícia Domingues

Fotografia por Ricardo Santos

Styling Joel Alves

Um bocadinho conto de fadas queer, uma fantasia musical, uma comédia declarada, uma dança de príncipes. História colonial, raça, ecologia, homossexualidade, classe. Os chavões certos ou errados para chegar a Fogo-Fátuo podem acender ou apagar a chama, mas se busca o cinema em troca de emoção, a do ser é a de João Pedro Rodrigues. O filme do realizador português incendeia as contradições do presente com um rastilho que é futuro e passado ao mesmo tempo e junta André Cabral e Mauro Costa nos papéis principais de uma história que faz rir, faz comichão e faz pensar. Amor é fogo que arde sem se ver, mas o talento, esse, está à vista – e é bom não deixar arrefecer.

MAURO COSTA


Há histórias que de tão predestinadas se baralham nas horas e nas datas, só para depois lá mais à frente surgirem de forma tão certeira que quase as ouvimos dizer ‘eu bem avisei não foi?’. Mauro Costa podia ser um bocadinho de um desses contos – ou pelo menos assenta na parte em que o que hoje nos parece óbvio sempre este por lá. A começar pela profissão de ator, que chegou não se sabe bem de onde, mas depois se veio a descobrir que vinha de trás. “Olha, acho que não foi assim uma coisa de querer ser ator”, explica à SOLO. “Eu desde pequeno sempre mudei muito aquilo que queria e que gostava e sempre fui de uma coisa para outra e esquecia a anterior e acabava por me chatear eventualmente.” Culpem-lhe o mapa astral ou o ter crescido na era da internet, esta compulsão de interesses facilmente descartáveis levou-o a uma série de desportos diferentes e ao rancho folclórico onde ficou por muitos anos. Afinal, quando gosta, gosta. Como o ser ator: começou por estudar ciências, com o objetivo de ser médico e trabalhar com doenças autoimunes, mas quando o 12º ano terminou e precisava decidir onde depositar o dinheiro que juntou a trabalhar para o curso, foi o teatro que o fez mudar de ideias. Arrumá-las, no caso. E é engraçado porque nunca ninguém da família o influenciou no mundo das artes, mas depois a história fez mais sentido. “Quando comecei a tirar a formação, a minha avó veio com umas fotografias do meu avô que eu nunca conheci porque ele faleceu antes de eu nascer. E ele fazia teatro. Ou seja, eu pensava que na família não havia ninguém na área da representação e tinha. Tem todo um álbum de fotos dele em cena, com descrições atrás em quem estava lá”. Eu bem avisei, não foi?


É um pouco como Alfredo, a personagem que interpreta em Fogo-Fátuo, um rei sem coroa que, ainda jovem, manifesta a vontade de ser bombeiro e fugir aos desígnios da família num percurso que nem sempre será fácil. Da ficção para a realidade, como foi viver com vontade própria? Quais os desafios do curso de teatro? “Acho que o mais difícil ao longo dos três anos foi soltar-me. Era uma pessoa muito, muito reta, muito psicológica, tudo muito racional e estruturado. É que para mim, depois, nos sentidos práticos, não funcionava bem, nem profissional, nem pessoalmente. Então dos três anos dois foram para conseguir mudar isso.” Na lista de pontos fortes surge o movimento, a forma como usa o corpo e o transfigurar para criar emoções, um pouco reflexo do passado desportivo. Uma vantagem para um filme em que é preciso dar o corpo às balas – muito embora aqui quem sangra seja a mente.  “Tudo o que envolve ter menos roupa deixa-me um bocadinho ansioso. Todos nós temos questões com o nosso próprio corpo e acaba por sempre ser uma experiência”, conta. “Eu lido muito com ansiedade, então é um processo de controlar isso e seguir. Mas eu e o André sempre tivemos uma relação muito protetora um com o outro. Ele para comigo em relação ao movimento e eu para com ele em relação à representação. E o João Pedro também garantia sempre que nós nos sentíamos confortáveis. Portanto, estava tudo a jogar em conjunto. Foi um grupo extremamente coeso e super saudável”, conclui e de seguida solta que esteve quase para não acontecer tendo em conta a dificuldade em o encontrar. “Então eu estava no primeiro ano do curso e tinha feito um episódio ‘E se fosse consigo?’ E o João Rui, companheiro do João Pedro, viu o episódio e achou que me encaixava bem na personagem. Tirou foto e mostrou o João Pedro. Entretanto, eles andaram a correr meio mundo para entrar em contacto comigo. Lá foram através da escola e marcámos uma reunião. E fiquei.” Não queremos ser repetitivos, mas avisámos.


De uma companhia de Alenquer para um filme que o levou até Cannes, descobriu não só como ultrapassar uma crise de ansiedade em set mas que afinal gosta de comédias (apesar de manter a paixão antiga pelo terror, “era algo mais macabro, porque lá está também o meu especto loiro de olhos azuis é mais fácil para as coisas boazinhas do que propriamente para o outro lado do espectro. E eu gosto muito do outro lado”). Diz que não tem grandes sonhos, desde que possa estar feliz e estável, como é no Teatro onde trabalha e que mistura elenco profissional com amador, numa troca de experiências e partilhas e amor que está no topo da sua lista de memórias felizes dos últimos tempos. Além de Fogo Fátuo, claro, o que nos leva a perguntar-lhe sobre o que pensa do cinema em Portugal. Sente falta da possibilidade de se arriscar, tão limitada quanto limitadora. “É um país pequeno, com poucas produções, e às vezes isso faz com que se dê muita atenção ao seguro”, explica. “O espaço de arriscar é para muito poucos ou é para os que já atingiram um certo estatuto, que estão protegidos por uma máquina que lhes permite ter essa liberdade. Também é preciso fazer coisas terrivelmente, como coisas incrivelmente boas - não existem uma sem a outra, o risco vive disso.” Mais coisas fora da caixa, mais atores com aspeto de querubim no lugar de um assustador monstro, mais Fogo-Fátuos? “Gostava que fosse dado espaço para falhar redondamente.” Mauro, achamos que vais gostar de conhecer o Albano, umas páginas lá mais à frente. 

André Cabral e Mauro Costa

Colete e calças Alves/Gonçalves

Botas Levi’s

André Cabral e Mauro Costa

​​André Cabral


Imagine uma pessoa feliz. Simpática. Acolhedora. O tipo de ser humano que pode não conhecer de lado nenhum, sentar-se com ele a conversar pela primeira vez e sentir-se à vontade. Sem ansiedades, sem silêncios estranhos. Sorrisos que puxam sorrisos. As perguntas levam a respostas que trazem mais perguntas como num desenrolar de idas e vindas de marés que nos fazem sentir como peixe dentro de água. É assim conversar com André Cabral, bailarino e ator que interpreta Afonso em Fogo Fátuo - um borbulhar de ideias e questionamentos e partilhas que torna divertida a tarefa de querer saber mais sobre alguém. O mesmo em frente à câmara: um à vontade que nem sequer sabíamos se era inato, mas que acontece ininterruptamente numa sequência de movimentos hipnotizantes que faz tudo parecer leve. O esforço coerente e consistente tem destas coisas. Acomoda os atos numa cama de rede que embala sem precisar de balanço. Faz os olhos dos observadores fixarem, engana a mente com malabarismos de conveniência, põem-nos a pensar em como nos podemos tornar melhores. É a verdadeira qualidade de um artista, descrevem alguns, esta magia de fazer com que tudo pareça fácil. Mas não é – ou melhor, agora sim, mas é um caminho de constante desprendimentos e aprendizagens. Como os últimos anos de pandemia. Os ou 32 que lhe marcam o BI. Ou as questões que estão sempre a surgir na cabeça e que não encosta para canto. Junta-se a isto tudo a vontade de continuar a estudar, resquícios do nerd do secundário que passava os tempos livres na biblioteca.  A vontade de inovar. A vontade de começar do zero. De se por à prova. De se desafiar. (não há nada de fácil aqui, não é mesmo?)


“Quero começar a desenvolver trabalho meu. Coreografias”, diz-nos com a mesma dose de entusiasmo inocente e segurança na voz. “Há um cunho meu pessoal que já tenho e trago para muitos trabalhos, e é sobre isso de parar de estar a materializar os sonhos ou as ideias dos outros e também começar a ajudar-me a mim. Neste momento se calhar estou realmente num sítio onde, para além de me querer sentir de outra maneira, será que também me queria ver só não como o André, intérprete de peças de artes performativas, mas queria estar num lugar de criador, que é aquilo que sei que sou. Fiz um coming out enquanto intérprete e agora sinto que quero fazer o meu coming out como creative, director, coreógrafo, o que for.” O que for não importa muito, importa-lhe seguir a sua intuição, neste mundo apressado que o/nos faz abreviar tanta coisa e abafar as vozes internas. A dele corre-lhe no corpo - a dança que veio da mãe, dos almoços de família, de Janet Jackson, dos videoclips de Missy Eliot, das aulas de hip hop no secundário, do curso na Escola Superior de Dança. Nunca deixar o interesse pela rama – “o meu pai também trabalhava num campo de golfe, ele falava inglês e francês e trazia-nos uma data de temas para casa. Então, essa sede por conhecimento também acho que apanhei um bocado dele”. Os planos são mais de muitos. Estudar Ciências Internacionais. Para sair da sua bolha artística e mergulhar sobre outras formas de mudar o mundo. Voltar a escrever, um hábito que foi perdendo. Fazer o seu walk em Paris, epicentro da cena ball à qual também se dedica cá. Frequentar cursos de representação, aperfeiçoar-se depois deste que foi o seu primeiro filme. Criar uma estrutura para se considerar ator. “Depois do Fogo Fátuo acho que ganhei uma certeza de confiar mais também nos outros. Não que eu não confie, mas eu não vi nada do filme. Nem tinha muito aquela coisa de corta e ir ver o take porque não queria ficar super self conscious com tudo o que eu estou a fazer, então nunca vi nada. E depois, até a altura da estreia, que foi em Cannes, o João Pedro nunca nos deixou ver nada. E não é só pela reação das pessoas durante o filme, é eu sentir-me bem com aquilo que eu fiz. E depois vi a minha entrega e a entrega de toda a gente traduzida naquela obra e eu acho que fez todo o sentido. Acho que ainda há coisas que eu posso aprender que obviamente não me sinto de todo ‘ya já sou ator’.”


E o que é que da dança e da representação se trabalha da mesma forma? “Estados. Retirando o aspeto técnico de dança - até porque há peças de dança que não são necessariamente bailados, são mais performance - há muitos estados emocionais, estados performáticos que se trabalham. Como é que eu hei de chegar de um zero para um com 120? E isso é uma coisa que é uma técnica de performance ou teatral. E isso tem andado a fazer também nos últimos anos trabalhando com pessoas como o Miguel Moreira, o Romeu Runa. Nos ensaios, tanto com o Romeu como o Miguel, antes de sequer chegarmos a um tipo de movimento, havia muito esta coisa de nos centrarmos e tentarmos chegar a uma emoção qualquer. Pode ser uma coisa mais feliz ou mais triste, mais raivosa. Mas muito desta coisa de canalizar e de perceber qual é o tom que está a sair hoje daqui e tentar trabalhar a partir daí. E depois é isso e depois passando isso para a representação.” E o cinema, é diferente? “A cena com o cinema e que comparo com a dança é que só tens aquele momento e ele passa. Há uma coisa de prontidão que o cinema tem, que eu acho que a dança também tem, tens de estar pronto para fazer aquilo.” Nem precisamos referir o quão André Cabral está pronto e o quanto disso não vem apenas do momento. Por falar nisso, o filme passa-se em 2069 - há uma perspetiva de futuro que começa agora. O que um jovem ator em ascensão ambiciona para o amanhã? “Sempre tive esta opinião, não só em relação às artes, é que ou te resignas ou vais lá para fora para ter o reconhecimento e compensação que precisas. E ninguém teve cá para construir. Eu quero estar cá para construir. Não temos falta de pessoas visionárias e talentosas, espero mesmo que esteja a contribuir de alguma forma.”

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André

Blazer e calças Alexandra Moura

Top Levi’s

Sapato Valuni

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Mauro

Casaco e calças Filipe Cerejo

André

Casaco e calças Alexandra Moura

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Mauro

Casaco e calças Filipe Cerejo

André

Casaco e calças Alexandra Moura

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Top Alves/Gonçalves

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Mauro

Vestido Filipe Cerejo

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André

Total look Alexandra Moura

Mauro Total look Alexandra Moura

Sapatos Valuni

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André

Blazer e calças Alexandra Moura

Top Levi’s

Sapatos Valuni

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André e Mauro

Total look Alexandra Moura

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Fashion

André Cabral e Mauro Costa
Filipe Cerejo

Num país de brandos costumes, Filipe Cerejo tem pulso forte no seu ainda recente trabalho como designer de moda. Com uma estética que pode ser desconcertante, busca o desconforto no outro, brinca com conceitos pré-definidos e cria na imprevisibilidade, esse bálsamo à criatividade dos tempos modernos.

Como te interessaste pelo universo da Moda e o que pretendes acrescentar-lhe? 


A moda apareceu na minha vida de para-quedas, não tenho ninguém na família ligado a área. Quando me inscrevi na Escola de Moda do Porto, em 2014, pensava que era uma escola de modelos, até descobrir que não era bem assim… Ganhei o gosto no processo, quanto mais aprendia acerca da história da Moda, da modelação e confeção das peças, mais interesse ganhei por esta área. Acho que, especialmente em Portugal, não só designers, mas as pessoas em geral têm medo de arriscar, sempre de ‘pé atrás’ e não tentam coisas novas, e é nesse aspeto que eu me atiro de cabeça. Gosto de explorar coisas novas, de ser provocativo, de causar aquela sensação de desconforto na cabeça das pessoas, por estar a apresentar algo que ainda não foi visto. Acho curioso porque as pessoas acabam por ter uma visão das minhas peças completamente diferente da que foi criada, e isso desperta-me interesse, ter uma outra perspetiva do meu trabalho. Quero mesmo é despertar sensações novas na mente das pessoas.


Adaptas moldes tradicionais ressignificando-os na tua linguagem própria. O que dizem as tuas peças? De que forma achas importante questionar os códigos de menswear? 


Eu sou uma pessoa muita reativa pelo mundo que me rodeia, gosto da transformação, funcionalidade e adaptação a coisas novas de forma a criar peças dinâmicas. Dessa forma as minhas peças acabam por ter “vida própria”, são peças transformativas que se drapeam e criam silhuetas com proporções irregulares. Provavelmente algo que é raro ver nos códigos de menswear tradicionais, e é quando realmente corro riscos em trial and error que desconstruo esses códigos e crio uma identidade forte nas minhas coleções.


Não sei se é uma coincidência, mas notei a presença do roxo nas tuas últimas coleções (incluindo neste conjunto casaco/calças utilizado neste editorial). Alguma conotação especial que dês a este tom? De que forma escolhes as tonalidades, tecidos (como o up-cycled denim deste set também) e detalhes que vão dar forma às tuas peças? No fundo, como é o teu processo criativo?


A paleta de cores presente na coleção usualmente é criada dos moodboards da coleção. Neste caso a inspiração vem muito da London Rave Scene, tons de preto e azuis escuros estão presentes como a escuridão presente nestes lugares, e os tons mais elétricos servem de contraste, como vermelhos e roxos, estão em contraste presentes nos vivos das peças para representar as luzes e lasers.

De forma a desconstruir os princípios de menswear eu começo o meu processo através de drapping, uma técnica usada em atelier de Alta Costura para criar silhuetas únicas. Começo a criar trench coats, blazers, t-shirts, entre outros moldes tradicionais de menswear que depois drapeados num manequim para criar as silhuetas que eu acho relevantes com a identidade da marca, depois são criados protótipos, seleção de matérias-primas até chegar ao produto final.

André Cabral e Mauro Costa
André Cabral e Mauro Costa

Para o outono/inverno 2022 falas sobre uma vivência acelerada, desorienta e industrializada – no fundo, o mundo moderno. É importante para ti trazer questionamentos? De onde surgem as tuas inspirações – o que te instiga agora?


Como referi, sou uma pessoa muito reativa visualmente então as minhas inspirações vão progressivamente sendo alteradas a cada dia. Como vivi em Londres, a correria da cidade e o seu lifestyle foi uma grande influencia para esta coleção.

De momento estou a fazer o meu mestrado na Polimoda em Florença, estou numa nova fase de autoconhecimento, aperfeiçoar os meus conhecimentos e de progredir com novos conceitos para a nova coleção, a exploração da desconstrução do menswear estará sempre presente, mas posso dizer para já que uma nova visão para a marca Filipe Cerejo está para vir, e eu estou muito empolgado para vos mostrar em breve.

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Places

André Cabral e Mauro Costa
Queer Lisboa

O cinema queer está diferente, nasce cada vez mais de dentro e tem vontade própria. João Ferreira, diretor artístico do Queer Lisboa, fala-nos desse lugar.

Fogo-Fátuo abriu o festival do ano passado. Que importância lhe atribui? O que existe no filme que mereceu este destaque? 


Foi uma escolha quase natural, no sentido em que nós acompanhamos a obra do João Pedro Rodrigues desde o início, desde os primeiros filmes dele em 1999. Além disso, há sempre uma atenção, um cuidado e uma procura pot cinema português. Não há muita produção em cinema queer principalmente em longas metragens e em ficção, não é fácil, nem é todos os anos que conseguimos ter esses filmes.


O que o Fogo-Fátuo trazia a nível de linha de pensamento que também vos fazia sentido passar?


O facto do João Pedro trabalhar no registo de comédia, que não é um registo que ele tenha explorado assim tanto no passado, e explora-a de uma forma bem conseguida neste filme. Há um lado de paródia e crítica sobre as questões coloniais que é muito interessante no filme e uma forma de se ser ou estar em Portugal que fica muito mordaz e vai buscar muita coisa da nossa cultura. Em pouco mais de uma hora é uma sátira muito bem conseguida.


O papel de um diretor artístico num festival de cinema passa, em parte, por criar uma linha de orientação que permita fazer determinadas leituras. Qual tem sido essa linha até agora? O passado do cinema queer ainda está a ser delineado, tal como o seu futuro. De que nos fala um e outro?


O papel do passado é sempre interessante de explorar. O papel do cinema queer é uma ideia recente e é sobretudo um olhar para o cinema. É um olhar para a história do cinema e perceber que obras, que realizadores, que argumentos podemos hoje ler como cinema queer. Alguns foram muito explícitos, outros nem tanto. Os alicerces acredito de uma comunidade, e da nossa própria identidade pessoal, estão na historia e na leitura da história e nesse aspeto nós estamos sempre atentos a esse olhar para o passado e possíveis releituras sobre o que foi feito. Tentar perceber o passado e principalmente o presente, como estamos, onde estamos neste ponto, agora. A questão do futuro é mais complexa porque é sempre um desenho utópico, a todos os níveis. Mas é interessante pensar esse futuro através do cinema que esse esta a fazer agora, como é feito, do que nos fala, quais são os suportes nesse cinema... O cinema esta a saltar da plataforma, já não falamos em cinema só na sala. A realidade dos streamings e da questão multidisciplinar do cinema a cruzar-se com outras artes faz-nos pensar para onde vamos: como os criadores, artistas olham. A criação é sempre uma projeção do que poderá estar para vir.

André Cabral e Mauro Costa

Estão abertas as submissões de filmes 2023 – o que estão à procura? Qual o desafio de pensamento pensado para 2023? Quais são as questões?


Há uns bons anos atrás, talvez pelo facto de não haver uma produção tão grande de cinema queer, trabalhávamos em temas. Hoje em dia trabalhamos ao contrário: a surgir um tema surge do nosso trabalho enquanto programadores e dos filmes que vamos vendo. E aí muitas vezes notamos que os filmes estão a falar sobre determinadas questões e desenha-se a programação a partir dai. O importante é que nós gostamos de nos manter abertos ao que está a ser criado e a partir dai desenhar possíveis temas e criar debates ou eventos paralelos à volta desses mesmos temas. Passam por questões sociais muito especificas, outras vezes são formas de olhar para o mundo, visões utópicas ou distópicas. Não há à partida um pré-conceito do que poderá ser um tema e pode nem haver um tema especifico e serem vários que acabam por se cruzar.


A programação incide sobre os desafios ou dificuldades na linguagem queer do cinema. Tem sido recorrente uma referência à pouca atenção que os cineastas têm tido no retrato da realidade queer. Esse continua a ser o maior desafio da linguagem queer no cinema? Quais os outros?


Eu diria que neste momento não é a questão da quantidade de representação de personagens e questões queer, mas mais a qualidade. E quem é que os representa. No cinema há cada vez mais equipas queer a contarem as suas histórias e isso altera o que é este cinema e o que significa a todos os níveis, desde a base de conceção, produção e mecanismo financeiro até à exibição e receção. É muito importante que sejam os criadores queer a fazer estas obras, porque acaba por ser uma leitura muito mais rigorosa, fidedigna e representativa. Há um nível de qualidade e de verdade nesses filmes quando são criados de dentro que não víamos há bem pouco tempo. 

A história da arte de uma forma geral tem-nos ensinado que essa questão identitária é incontornável e acaba por acontecer. É um processo lento, mas começa a acontecer. Pode acontecer de forma rudimentar de início, com pouco financiamento e meios, mas mesmo que aconteça assim é importante. E depois tem de evoluir, tem de haver apoio e o cuidado de abraçar estas obras e criadores.


Queer Lisboa 2
Queer Lisboa 3

Team

Cabelos e maquilhagem Sara Fonseca

Vídeo Raul Sousa

Produção Larissa Marinho

SOLO © 2024

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Cerejo 3
Queer Lisboa 2
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