The Legendary Tigerman

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Entrevista por Rui Chafes

Fotografia por Frederico Martins

Styling Nicolò Pablo Venerdì

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Foram-se conhecendo lentamente ao longo do tempo, cruzavam-se em exposições, na casa de Julião Sarmento, nos concertos de Natal. Derrubaram a barreira social e artística que tantas vezes nos segmenta e passaram a orbitar pelos dois mundos com a curiosidade e admiração a encaminharem. Hoje, o cenário é frente a frente: na sua casa, Paulo Furtado responde a um questionário esculpido por Rui.

Rui Chafes: Tudo começa pelo início e vai avançando até outro início. Porquê? Porque é que fazes música? Porque é que fazes concertos? E filmes? E as outras coisas?


Paulo Furtado: Há uma razão importante que é – e eu já disse isto algumas vezes –, se eu não fizesse isto provavelmente não haveria mais nada que eu pudesse fazer que fosse legal na sociedade. Eu estudei Belas Artes, se me perguntassem o que é que eu queria ser eu dizia sempre que seria pintor, e depois a música e o que a música me trouxe acabou por me roubar à pintura. E acho que foi a única maneira que eu consegui encontrar para comunicar com a sociedade e para me integrar, além de ser uma grande paixão e uma coisa que sai de um modo bastante visceral. Acho que, de facto, foi a única maneira que eu fui encontrando para me encaixar na sociedade, e para me relacionar com as pessoas. No fundo, mais do que qualquer outra coisa.


RC: Tirando a pintura, não estavas a ver mais nada que fosses capaz de fazer?


PF: Eu ali entre os 15 e os 17, fui dealer também. Mas, lá está, depois deixei de ser [risos].


RC: Tinha pouco futuro.


PF: É isso [risos].


RC: Porque é que trabalhas? Por necessidade imperiosa? Por curiosidade? Por hábito? Por desejo de fama?


PF: Por uma necessidade imperiosa e muitas vezes não é só música. Pode ser cinema, pode ser desenho, às vezes coisas que eu não torno públicas. Sempre houve essa necessidade de me exprimir pela Arte em qualquer formato. Talvez porque até aos 20 anos não era uma pessoa de muitas palavras e há coisas que eu só consigo exprimir pela arte.


RC: Vês a arte como a expressão individual do artista ou como uma linguagem universal que alguém tem de continuar a falar? Ou seja, trata-se de uma expressão de coisas pessoais ou íntimas ou de coisas impessoais e universais?


PF: Começa na primeira e acaba na segunda. Por exemplo neste disco [ZEITGEIST] senti que isso claramente aconteceu. Passei de um plano pessoal para um plano mais universal. Começa como uma necessidade íntima e pessoal e, muitas vezes, mesmo pelo formato, começas sempre na tua intimidade. É um processo muito egoísta o de fazer arte – acho que concordarás comigo. És a única pessoa a quem tens de agradar, mas depois de alguma forma essa arte passa da esfera íntima e pessoal para a pública e é sujeita a uma avaliação.


RC: Sobretudo enquanto performer, não falo das outras áreas em que também trabalhas, como te vês em relação ao teu ego? Como se lida com o ego e a exibição do artista (ou da sua persona) em palco e em vídeos, etc. e a ideia de não ego, não glória, não egocentrismo? Exibes o teu ego, a tua figura, ou tentas esconder, preservar, usar uma máscara? Onde é que está o ego – ou não está?


PF: Está, está, mas acho que está presente ao mesmo tempo que tens de o deixar cair e tens de... Eu acho que uso uma máscara – é curiosa a tua pergunta. Os óculos escuros, por exemplo, são uma máscara, são a primeira máscara. Mas depois se o que está por trás da máscara não for real as coisas não funcionam. Ou seja, sim, há uma máscara, e sim poderá haver um ego a pisar o palco, mas de facto acho que depois tem de haver uma desconstrução de tudo isso e uma entrega aos deuses do palco para de facto deixar que as coisas fluam, porque se as coisas não forem verdadeiras no final é muito triste. Se não for assim não vale a pena pisar palcos.


RC: A pergunta é: a tua persona é a única identidade que te interessa mostrar, que é uma máscara da tua vida privada ou outras coisas, ou é um desdobramento da tua presença no mundo? São várias presenças ou só queres mostrar essa persona?


PF: Eu acho que essa persona chega sempre primeiro aos sítios, mas depois vai-se desdobrando e há muita realidade por trás dela. É preciso haver essa máscara, para que depois a realidade possa entrar em palco, ou possa ter sequer um espaço em palco.


RC: O que as pessoas querem saber é se és mais tigre ou mais homem.


PF: Eu acho que entro como tigre e saio como homem. Ou vice-versa, depende dos concertos.


RC: És uma pessoa tímida? Ou reservada?


PF: Muito. Menos do que era, mas muito.


RC: Uma amiga minha, Orla Barry, perguntou-te em Paris, no concerto na exposição com o Giacometti, se tinhas tocado com os olhos fechados, mas eu nunca ouvi a resposta…. Tocaste ou tocas com os olhos fechados?


PF: Naquele concerto toquei.


RC: Só naquele?


PF: Normalmente não toco. Nunca o concerto inteiro, mas aquele concerto foi quase todo com os olhos fechados.


RC: Um amigo meu diz que, quando te conheceu, ficou impressionado por teres um sorriso puro e claro, que só as crianças e os adolescentes podem ter. Ele disse que, com um sorriso assim puro, só podes ser uma boa pessoa. És uma boa pessoa?


PF: Espero que sim. Pelo menos, acho que tento a cada dia que passa ser melhor pessoa.


RC: Imagino que a noção de bem e de mal, bondade e maldade (ou de pecado e virtude, no caso das pessoas religiosas) esteja presente na maioria das pessoas, de uma forma ou de outra, e até na música: as origens dos blues e de muita da música popular americana estão nos cânticos religiosos e nos gospel, por exemplo. Achas que o rock anda sempre a aproximar-se desses limites, por vezes de forma desesperada e subtil, por vezes de forma provocatória e radical? A bater às portas do Céu ou a ter simpatia pelo Diabo? Qual é o papel do rock nesse pensamento comum entre a bondade e a maldade, o bem e o mal? O rock enquanto estilo, enquanto história, está sempre a chegar aos limites entre o bem e o mal?


PF: Eu acho que o rock e os blues principalmente são géneros que muitas vezes nas letras e nas canções tratam de coisas muito banais e do quotidiano. E isso vem de sítios muito religiosos, muito pobres, em que de facto há uma ligação direta entre a juke joint no sábado à noite e a igreja e o gospel ao domingo de manhã. E é curioso que nunca houve uma grande transpiração dos blues para o gospel – há uma transpiração se calhar musical, mas não há emocional, é como se fossem dois mundos completamente separados. E eu acho que às vezes o papel do Rock é fazer o caminho entre esses dois mundos. Por exemplo, com os WrayGunn houve um disco em que claramente se misturou punk, blues e gospel. Tornou-se um objeto muito estranho, para nós e para o mundo. Lembro-me que fazíamos um esforço enorme para não dizer asneiras em frente ao coro gospel que ficava incomodado. E de facto são mundos que parecem muito próximos quando olhamos para eles de fora, mas estão muito afastados. E, portanto, acho que o papel da música é fazer esse caminho. Quer seja quando saiam da juke joint, e iam tomar um banho a casa e iam à igreja para o gospel, quer seja de um ponto de vista mais emocional.


RC: És uma pessoa religiosa, de alguma forma? Tens alguma aproximação a alguma forma de religião ou sentimento religioso? Ou estás completamente distante dessa questão? Tiveste educação religiosa ou não?


PF: A minha vida religiosa acabou com a Primeira Comunhão, em que eu me fechei na casa de banho porque não queria ir. Estive mais ou menos meia hora fechado, depois os meus pais disseram que eu podia abrir a porta porque já não ia, e quando abri levaram-me à força. E eu fui a chorar, cheguei lá a chorar, e depois o puto que estava ao meu lado começou a gozar comigo, dei-lhe um murro e ficámos os dois a chorar – foi uma coisa horrível e altamente embaraçosa. Ao mesmo tempo fui eu que pedi para ir para a Primeira Comunhão porque, uma vez, quando eu era muito miúdo, fui com os meus pais a uma igreja que há ali entre Almoçageme e a Praia Grande e o padre, que devia ser um belíssimo contador de histórias, entusiasmou-me de tal forma que eu disse que queria ir fazer a Primeira Comunhão. Mas depois a catequese em Coimbra era uma coisa muito chata e entediante. Isto para dizer que não, não sou católico. Tenho alguma inveja das pessoas que são católicas, é como se fosse um casaquinho de tranquilidade e perdão que podes vestir a qualquer momento. O resto de nós está entregue a si mesmo, acho eu.


RC: Ainda te pergunto se possuis uma alma só tua ou se, pelo contrário, és uma parte de uma alma universal?


PF: Não faço a mínima ideia. E tu, o que achas?


RC: Eu tendo a achar que fazemos parte de uma alma universal, que somos apenas um bocadinho, que ninguém tem uma alma pessoal, que vai para o céu.


PF: Certo...


RC: A tua música é uma luta contra a morte e o esquecimento, uma celebração da vida? Por vezes, sobretudo em palco, parece-me uma desesperada celebração da vida. É o rock?


PF: Acho que é as duas coisas. Sempre foi. Foi isso que me fez apaixonar profundamente pela música, esse momento que parece que quando entras em palco é a coisa mais importante do mundo e não há nada mais importante do que aquilo, e cinco minutos depois de aquilo acabar, aquilo não tem importância nenhuma. E isso é muito curioso, é um estado de êxtase quase, é a coisa mais próxima que eu compreendo como um êxtase religioso – aquela coisa que as pessoas sentem quando entram em transe. Eu entro em transe quando estou em palco.


RC: Como não tenho qualquer experiência em performance, é um mundo estranho para mim, mas visto de fora acredito nisso que estás a dizer. É uma forma, não digo de religião, mas de êxtase. É uma celebração.

Quando tocas inteiramente sozinho (como em muitos concertos de Natal…) ou quando tocas com outros músicos, existe uma grande diferença ou é sempre uma festa? Uma festa com o público e com os músicos e com os amigos? Ou é sempre, de qualquer forma, um espaço de extrema solidão?


PF: Com músicos é mais próximo a uma festa e de partilha. Quando estou sozinho é uma coisa muito solitária. Fundamentalmente deixei o formato de tocar sozinho porque, às vezes, nas tours maiores era uma coisa extremamente solitária, mesmo que claro tenhas pessoas na equipa e técnicos, mas não partilhar o palco com ninguém e não haver ninguém que te desvie do caminho é muito interessante formalmente para o músico, mas é muito solitário. Todas as faíscas que podem acontecer em palco, ou todas as coisas estranhas que te podem acontecer em palco, que te levam para sítios bons ou maus, vêm de ti. E quando tu estás a partilhar o palco com outros músicos, de facto, isso acontece. Há uma troca de energias – estás a ir numa direção e alguém faz qualquer coisa que te faz ir noutra. E é uma espécie de uma dança. A solo é como estares a dançar sozinho, é meio estranho.


RC: Fazes música para ti ou para os outros? Compões e tocas só para ti ou achas que a arte só existe a partir do momento em que é vista/ouvida por alguém? Só existe quando chega a alguém?


PF: Acho que ela só existe, de facto, quando chega a alguém. E o meu motor normalmente é – é meio estranho de explicar porque a única pessoa que tem de gostar da música sou eu –, mas há um motor e uma faísca que me faz querer ver a canção para os outros, não é para mim.


RC: Isso leva-nos à ideia de público. O que significa tocar em público? O que esperas do público? O que achas que o público espera de ti?


PF: Eu relaciono a veres um filme em casa ou no cinema, ou ouvires um vinil em casa versus ires ver um concerto, pronto é um bocado diferente. Porque é ao vivo, mas há uma experiência comunitária. Se falarmos de teatro ou de performance gravada ou vista ao vivo, se calhar é mais próximo. Mas de facto há momentos em que... sítios, onde se toca que não são sítios adequados a essa comunhão. Às vezes é complicado.


RC: E o que é que achas que o público espera de ti? Depende dos sítios?


PF: Depende dos sítios. Sei lá, há muitos momentos em que me sinto um bocado incompreendido – entre um bocado incompreendido até ao muito incompreendido, porque, muitas vezes, as pessoas estão à espera de coisas mais claras e específicas sobre o que é que acham que é a pessoa que está em palco. E há muitas mais nuances e camadas, do que aquela camada do músico de rock and roll clássico.


RC: Ainda podes dar às pessoas do público o que elas esperam de ti? E as pessoas do público ainda continuam a dar-te o que esperas delas? Se um concerto é uma celebração e uma partilha direta, momentânea, à qual não podes fugir, de que forma vês a passagem do tempo e dos anos nessa relação com pessoas que te conhecem e te admiram, mas que tu não conheces? Apenas vês aqueles vultos no escuro a olhar para ti e a esperar qualquer coisa de ti. É uma relação intensa, não há dúvida. Quase um compromisso. As pessoas evoluem também contigo?


PF: Eu acho que sim. Evoluem, envelhecem.


RC: Quando estás no palco estás com pessoas que não te conhecem, mas todas elas têm uma ideia sobre ti, uma expectativa.


PF: Sim, acho que tu vais criando ao longo dos anos não só uma relação emocional com o público, mas até geograficamente emocional com o público. Por exemplo, sempre que toco em Paris, acho que são os concertos de que mais gostei. Se me perguntassem quais foram os 20 concertos que eu mais gostei de fazer na vida, para aí uns cinco ou seis, ou talvez mais, tenham sido em Paris. E isso tem a ver com haver um publico que eu acho que está mesmo interessado. E quando toco em Paris sinto que é um público que está profundamente dentro do espetáculo e que essa celebração, que essa comunhão, de facto acontece. Às vezes tem muito a ver com o facto de as pessoas não estarem tão próximas. Também gosto muito de tocar em Lisboa, mas se calhar é mais comum tocar aqui. E haver essa coisa de, ainda assim, os concertos em Paris serem mais ocasionais, serem mais especiais. Mas acho que há sítios com os quais vais criando uma relação, e públicos com os quais tu vais criando essa relação.


RC: Mesmo que seja mais esporádica.


PF: Sim.

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RC: Lembro-me de um concerto teu, no Lux, há muitos anos, em que te enfureceste porque havia algumas pessoas no público que continuavam a falar enquanto tu tentavas tocar uma música muito serena e íntima (acho que era Love Ride). As energias estão ao mais alto nível quando tocas em público, é uma entrega total em que um músico se expõe totalmente, fica indefeso. Sobretudo se for um artista sério e íntegro, como é o teu caso. É assim? Sentes-te indefeso e sujeito a energias?


PF: Não é sentir-me indefeso. Eu nesse espetáculo até desci cá abaixo, não estava indefeso.


RC: Mas estavas exposto e não estavam a respeitar essa exposição?


PF: Sim, tem a ver com isso. Tem a ver com o respeito pela comunhão, não propriamente por mim. Estamos a tentar criar uma coisa que só é possível ser criada se as pessoas quiserem embarcar nela. Se as pessoas não quiserem embarcar, é difícil ter essa experiência. Isso acontece um bocadinho em Portugal por acaso, e não acontece em muitos outros países.


RC: Essa falta de respeito pela comunhão?


PF: Sim. É uma questão de ego, não é? As pessoas, às vezes precisam de, de alguma maneira, de sobressair dentro de uma coisa que é coletiva. Às vezes ficam nervosas também, não sei.


RC: Sabes em que direção estás – ou deves – ir, ou por vezes andas à procura do caminho?


PF: Por vezes ando à procura do caminho.


RC: Chegas a becos e bifurcações.


PF: O caminho é sempre o movimento. Às vezes é mais lento, outras vezes é mais rápido. Às vezes andamos um bocadinho às voltas, quando não se vislumbra para onde ir. Acho que sou um bocadinho como os tubarões – não posso parar.


RC: E usas muito o espelho retrovisor ou olhas sempre em frente? Se olhares demais para o retrovisor não vês a estrada à tua frente, não é?


PF: Eu olho bastantes vezes para o retrovisor. Quer dizer, não é olhar para o retrovisor. É ter os olhos na estrada, mas ter a noção – não olhando assim tão frequentemente para o retrovisor –, mas ter a noção do que está atrás. Basicamente é isso.


RC: O que me leva a perguntar se te interessa falar com os antigos, os músicos e os artistas que nos antecederam há tanto tempo, mas que reconheces como sendo parte dessa estrada.


PF: Eles fazem parte de mim. Vivem em mim, creio eu. Eu gosto de prestar homenagem, quer seja em concertos, quer seja em versões nos discos. Sempre gostei de deixar pistas sobre quem foi, ou quem é importante para mim. Acho que há um ponto em que depois tens de perder um bocadinho o respeito. Por exemplo, quando fazes uma versão tens de tornar aquela canção tua e ‘perder um bocado o respeito’, entre aspas, pelo original. É um ato de reverência e depois de irreverencia na sua concretização.


RC: Posso perguntar-te umas coisas um bocado óbvias, acerca de preferências por outros artistas? És mais dos Beatles ou dos Rolling Stones?


PF: Stones. Claro.


RC: E no cinema americano, és mais do Tarantino ou do Jarmusch?


PF: Jarmusch.


RC: Eu tenho uma relação fantástica com os meus filhos. Vou trocando músicas com eles e ouvindo o que me sugerem e, por vezes, são grandes revelações. Este verão um dos miúdos mostrou-me o Blaze Foley, que eu não conhecia – uma revelação extraordinária. Continuas disponível para descobrir novos músicos? Ou já fechaste a loja?


PF: Continuo sempre disponível. Acho que há uma idade qualquer em que tu pensas que não precisas de mais amigos, nem precisas de descobrir nova música ou nova arte, mas depois há sempre qualquer coisa que te contradiz isso – ou qualquer pessoa que te contradiz isso –, e que volta a abrir essa torneira.


RC: Trabalhas todos os dias ou passas muito tempo à espera, à procura, a “não fazer nada”?


PF: A maior parte do tempo trabalho todos os dias.


RC: Fazes da música e da arte a tua vida, aquilo que vem sempre em primeiro lugar e que ocupa cada momento, o último problema antes de ir dormir e o primeiro ao acordar? Ou deixas espaço para a vida, a pequena vida? Ou seja, és primeiro artista e depois homem ou primeiro homem e depois artista?


PF: Eu acho que fui toda a vida primeiro artista e depois homem. E tenho feito um caminho para ser primeiro homem e depois artista.


RC: E nesse caminho qual é a tua relação com o real? Ele entra no teu trabalho sem avisar?


PF: Sim. Acho que é muito permeável à realidade.


RC: Como gastas o teu tempo? E quanto do teu tempo diário, semanal ou mensal é dedicado ao teu trabalho?


PF: Muito.


RC: Sem horários?


PF: Não, agora tenho conseguido impor alguns horários. Especialmente impor um conceito que era inexistente para mim, que é o conceito de fim de semana. Tenho conseguido não trabalhar nos fins de semana em que não tenho concertos.


RC: Como compões? Sempre em solidão ou também com os músicos que te acompanham?


PF: A maior parte do tempo em solidão. Este último disco foi composto por mim, mas pela primeira vez tive um produtor, o Anthony Belguise, que é um músico extremamente talentoso, e que pelo caminho me ia desafiando e empurrando, se calhar para além de zonas que seriam mais confortáveis para mim, e isso criou um movimento que foi muito interessante na minha música.


RC: Fizeste algum tipo de estudos de música? Tens algum tipo de educação musical?


PF: Não. Fiz cursos online durante a Covid, de estúdio, produção e de harmonia. Mas o resto foi experiência, tentativa e erro. Às vezes mais erro.


RC: Chamas ao teu trabalho profissão?


PF: Sim, acho que tenho uma ética profissional. Se calhar é mais claro quando sobes a um palco, editas um disco ou fazes uma banda sonora sincronizada com um filme.


RC: Achas que és um amador, um profissional ou nem uma coisa nem outra, porque isto é a tua vida? A tua “vida total”.


PF: Sou um amador profissional.


RC: O teu trabalho é a tua identidade para o mundo ou tens mais maneiras de estar no mundo? Medes a tua vida pelas músicas (e filmes e fotografias e desenhos…) que trazes ao mundo?


PF: Acho que mais importante do que tudo isso é, na minha estrutura próxima, sentir que sou um bom homem, que sou um bom amigo, que sou um bom marido. No dia a dia, acho que isso tem mais peso do que tudo o resto. Claro que provavelmente há uma vontade, não é daqui a 100 anos porque isso não vai interessar para nada, mas acho que há essa ética nos dois caminhos. No caminho do palco como homem ou como artista, há uma ética de querer ser sempre melhor. E acho que o meu caminho é inverso ao da maior parte dos artistas – e também à maior parte dos homens. Eu acho que sou muito melhor pessoa hoje do que era há 40 ou 30 ou 20 ou 10 anos.


RC: Perguntas banais. Lês muito? Vês exposições? Vês cinema? Vês séries?


PF: Faço isso tudo. A coisa que faço menos na realidade é ouvir música.


RC: A minha próxima pergunta era essa: ouves muita música ou preferes estar em silêncio?


PF: Prefiro estar em silêncio. Adoro andar de carro em silêncio, por exemplo.


RC: Eu quando guio gosto sempre de ouvir música.


PF: Às vezes também gosto de ouvir música, mas de mota é diferente. É quase uma experiência zen, a ouvir o motor e sentir. Andar de mota é uma experiência tão imersiva como dar um mergulho no mar. Quando vais de carro só vais dentro de uma coisa daqui para ali; quando vais de mota, tu é que vais ter de ir para ali, és exposto aos elementos, aos cheiros. Estás a experienciar a viagem de uma maneira que é muito física.


RC: Tens em consideração (e avalias o seu peso) as opiniões dos outros sobre o teu trabalho? As opiniões dos teus colegas ou de outros artistas? Ou trabalhas totalmente isolado e fechado ao exterior, num lugar recôndito?


PF: Ambos. A maior parte do tempo fechado, e às vezes deixo entrar.


RC: Mas tens em consideração a opinião dos teus amigos? Já nem falo dos críticos.


PF: Tenho. Respeito sempre, posso não concordar. Mas normalmente é uma coisa que eu tenho em consideração e acho que tenho bons amigos, que são honestos em relação às suas opiniões. Criticar num bom sentido é uma coisa que dá trabalho.


RC: Nessa sequência, achas que ser aclamado e elogiado ou receber críticas negativas pode ter efeitos no teu trabalho, na maneira como o vês e pensas? Ou és imune a críticas e elogios?


PF: Não sou imune, mas hoje em dia também já não é tão importante para mim. Vou tendo a noção de uma maneira ou de outra quando consegui fazer o meu melhor, e isso para mim é o mais importante. Mas lembro-me de uma vez, o Manoel de Oliveira foi ver, com 101 anos para aí, um filme do Rodrigo Areias, em que eu tinha feito a banda sonora com a Rita Redshoes, e ele no fim do filme foi falando com toda a gente. Ao Rodrigo deu as suas considerações, em relação à realização, e depois eu ia a passar e ele parou-me e também deu as suas considerações em relação à música. Que estava muito bem, mas que havia alguns momentos em que faltava tensão. E eu achei a coisa mais generosa do mundo seres o Manoel de Oliveira e estares a ver um filme de alguns gajos com 30 anos e tu ainda perdes o teu tempo a dar a tua opinião sincera sobre os vários departamentos. Eu acho que esse tipo de crítica é muito importante e é o tipo de critica que te faz crescer como artista.


RC: Nem é uma crítica, é quase um trabalho, um trabalho generoso.

E as mulheres? Qual é o papel das mulheres no teu trabalho? Cantaste já com bastantes, e imagino que continues a cantar. Fizeste o álbum Femina, só com mulheres, em que a capa sugeria que tens (ou temos) um lado masculino e um lado feminino ou lados ainda mais vastos do que isso. Aparecem em muitos dos teus vídeos e fotografias, por vezes como cúmplices, outras vezes homenageadas, outras vezes quase como um jogo viciado de imagens já gastas de “hétero rocker”, que imagino serem também algo irónicas e autocríticas. Noutros casos, como a Asia Argento, já é mais sympathy for the devil, de uma bela maneira. Queres falar das mulheres no teu trabalho?


PF: Acho que há sempre uma espécie de uma atração planetária, artisticamente e não só. No fundo é tudo o que nos diferencia que é a faísca que leva a que as coisas aconteçam, ou que a arte aconteça, ou que haja algum tipo de movimento.


RC: Arrependes-te alguma vez de coisas que tenhas feito ou não feito na vida?


PF. Sim.


RC: Gostas de viver na cidade? Gostas do chamado ritmo frenético da vida urbana? Ou preferes no isolamento silencioso do campo e do mar, onde te concentras mais?


PF: Eu gosto de ambos. Acho que sempre fui mais urbano, ou fui mais um ermita urbano, e agora estou com mais vontade de ser um eremita rural.


RC: Lisboa não é uma grande cidade, como Tóquio ou Nova Iorque – é uma aldeia grande. Vais ao El Corte Inglès ou ao Galeto, ou foges desses locais supostamente urbanos e lisboetas, e ficas mais por Los Anjos e a vossa Casa Tigre?


PF: Eu acho que um bocadinho por todo o lado. Mas gosto desses sítios, não do El Corte Inglès, mas daqueles ainda – alguns, poucos, cada vez menos – sítios icónicos de Lisboa. Aqui onde moro ainda há uma vida de bairro. Claro que o bairro são outras pessoas, há mais estrangeiros, mas continua a haver um bocadinho essa coisa de bairro e Lisboa sempre foi muito isso. E quando eu gosto mais de Lisboa é quando esses bairros ainda são minimamente reais – ou os sítios ainda são minimamente reais.


RC: Vives como queres ou gostavas de viver de outra maneira?


PF: Vivo quase como quero.


RC: Queres permanecer na tua vida ou queres mudá-la totalmente?


PF: Quero permanecer na minha vida.


RC: Gostavas de viver na América ou isso é só um sonho?


PF: Não, não gostava. Se me fizesses essa pergunta há 30 anos, provavelmente respondia que sim.


RC: Gostavas de viver permanentemente on the road, numa longa road trip, pela América ou pelo mundo? Ou precisas mesmo de ter um lugar de onde partir e onde chegar?


PF: Eu acho que o meu sítio são pessoas. Se não tivesse pessoas, se calhar podia estar numa road trip eterna.


RC: Consegues desligar de tudo e não responder a telefonemas, nem emails nem nada, desaparecer durante muito tempo sem ter contacto com ninguém e sem ninguém saber de ti?


PF: É raro, mas consigo. É cada vez mais difícil.


RC: Gostavas de desaparecer, become nothing, talvez no deserto ou numa cidade durantes uns anos, sem dizer nada a ninguém?


PF: Agora não.


RC: Uma última pergunta: não sendo tu um ancião, mas tendo já alguns anos de trabalho tão sólido e marcante, qual seria o conselho que darias a um jovem músico, ou artista, que está a começar agora? (para além de “Stay gold…”)


PF: Isso é uma pergunta difícil. Ou não é. De facto, não é. O conselho é: estarem atentos à sua voz, encontrarem a sua voz, aquilo que acham que são como artistas e serem o mais fieis possível nessa viagem de exploração do que são e do que podem ser no futuro, sem se preocuparem com o resultado final, em termos de público ou do que quer que seja. Isto parece uma coisa meio utópica, mas se não for assim nunca vão ser bons artistas, se não forem fiéis a si mesmos. Isto pressupondo que querem ser bons artistas – senão, não.


RC: Eu gosto muito do conselho que o William S. Burroughs deu à Patti Smith: “Build a good name. Keep your name clean.”

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